A taxa de inflação em Angola, a 12 meses, voltou a descer em Abril, pelo quarto mês consecutivo, fixando-se agora ligeiramente abaixo dos 35%, uma quebra de mais quase dois pontos percentuais face a Março.
De acordo com o relatório mensal do Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano sobre o comportamento da inflação, os preços subiram de Março para Abril 1,80%, em termos nacionais, contra os 1,91% e 2,30% dos dois meses anteriores e já menos de metade dos quase 4% só em Julho de 2016.
Entre Janeiro e Dezembro de 2016 (12 meses) os preços em Angola subiram praticamente 42%, segundo os relatórios anteriores do INE com o Índice de Preços no Consumidor Nacional (IPCN).
Nos últimos 12 meses, até Março, a inflação acumulada desceu para 36,52%, níveis semelhantes aos de Agosto do ano passado, e até Abril caiu para 34,80%.
A subida de preços em Abril foi influenciada sobretudo pelo sector dos “Bens e Serviços Diversos”, com 4,23%, pelo “Mobiliário, Equipamento Doméstico e Manutenção”, com 2,79%, “Vestuário e Calçado”, com 2,78%, e “Saúde”, com 2,75% de aumento face a Março.
O valor da inflação a um ano está ainda muito acima da previsão de 15,8% para o período entre Janeiro e Dezembro que o Governo inscreveu no Orçamento Geral do Estado de 2017.
Desde Setembro de 2014 que a inflação em Angola não pára de aumentar, acompanhando o agravamento da crise económica, financeira e cambial decorrente da quebra na cotação internacional do barril de petróleo bruto, o que fez disparar o custo nomeadamente dos alimentos.
As subidas de preços no último mês foram lideradas pelas províncias do Cuanza Norte (2,32%), Luanda (2,25%), Lunda Sul e Uíge (1,95%), enquanto na posição oposta figuraram as províncias da Huíla (1,22%), Bié (1,25%), Huambo (1,34%), Bengo (1,45%) e Cunene (1,50%).
O chefe da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Angola, Ricardo Velloso, alertou a 22 de Março, em Luanda, para a necessidade de medidas que ajudem a diminuir a elevada inflação que o país ainda apresenta.
Falando aos jornalistas após um encontro com o ministro das Finanças, Archer Mangueira, com vista à preparação das consultas anuais ao abrigo do artigo IV, o chefe do FMI para Angola destacou que a inflação angolana “ainda está muito resiliente”, apesar das “políticas muito importantes” aplicadas nos últimos meses pelo Banco Nacional de Angola (BNA).
A preocupação actual do FMI mantém-se à volta da necessidade de relançar o crescimento económico angolano “de uma maneira duradoura para os próximos anos”, além de baixar a inflação mensal dos actuais 2% a 2,5% ao mês para “níveis mais aceitáveis”, bem como sobre “como continuar a reforçar o sistema bancário e financeiro do país”, explicou o economista.
Para Ricardo Velloso, a retirada de circulação de moeda nacional que o BNA tem vindo a realizar é uma das medidas positivas, por ter repercussões também ao nível do corte nas taxas de câmbio no mercado paralelo, que permanecem quase três vezes acima do valor oficial.
“É uma medida muito importante, que ajuda no controlo da inflação e ajuda a reduzir o diferencial entre a taxa de câmbio do mercado de rua e a taxa oficial”, destacou o chefe da missão do FMI.
O Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, anunciou a 3 de Fevereiro um “novo programa macroeconómico executivo”, cuja estratégia “visa atacar com prioridade a inflação, para a reduzir de modo significativo”, bem como a “diversificação e o aumento das exportações e das receitas fiscais”.
No meio de sinais divergentes, a única certeza é a de que Angola se encontra numa situação de estagflação. Este termo designa uma situação de inflação, a que se junta a estagnação. É das piores situações em que uma economia se pode encontrar, porque exige medidas contraditórias, combatendo a inflação através da redução (como está a acontecer) do dinheiro em circulação e aumento das taxas de juro e, pois é, enfrentando a estagnação com o inverso: aumento do dinheiro em circulação e a diminuição das taxas de juro.
Rui verde explica de forma lapidar o que se passa: “Imagine-se um doente a morrer que está simultaneamente com a tensão arterial elevada e com uma hemorragia. Para baixar a tensão temos de usar um medicamento que facilita a circulação do sangue, tornando-o mais fino; mas para parar a hemorragia temos de usar outro remédio que torne o sangue mais grosso e parado. Tratar uma doença implica piorar a outra.”
Não é líquido que Eduardo dos Santos, Titular do Poder Executivo, saiba exactamente o que isto é. Por norma, os seus “especialistas” dizem o que ele quer ouvir, sabendo que o Presidente prefere ser assassinado pelo elogio falso do que salvo pela verdade.
E, pelos vistos, era essa verdade – na totalidade ou em parte – que o FMI apresentou no seu diagnóstico. Mas como o Presidente é alérgico a qualquer verdade que não seja fabricada pelos seus acólitos, optou correr com os mensageiros sem sequer cuidar de saber o que dizia a mensagem. E até às eleições será assim. Depois se verá se ainda existe país.
Até lá, continuemos a olhar para o meteórico crescimento da inflação. Ao mesmo tempo vamos assistir à quebra assinalável dos já parcos rendimentos dos angolanos, sendo que o regime acredita que com alguma habilidade o povo acabará por aprender a viver sem… comer.
Cenário complicado… para os mesmos
O analista de risco político Klisman Murati, da consultora Global Risk Insights, prevê que Angola pague as suas dívidas, mas considerou que os investidores estão “a suar” devido às dificuldades económicas e financeiras mas também à eventual turbulência política do país.
“Angola passou por uma turbulência política e económica, revelando várias ‘linhas vermelhas’ que preocupam os investidores”, escreveu o analista, numa nota publicada no site desta consultora especializada no risco que os países apresentam para os investidores e instituições económicas internacionais, e que conclui que Angola deve honrar os compromissos financeiros.
Na análise, Klisman Murati argumenta que “juntando a mudança, especialmente a mudança política – que é algo a que Angola não está habituada -, juntamente com baixas receitas petrolíferas, uma forte depreciação da moeda e uma crescente agitação pública devido a suspeita de eleições manipuladas, não é de admirar que os detentores da dívida pública em moeda estrangeira estejam “a suar”.
Angola deve atingir as metas para a inflação e para as taxas de câmbio este ano, “mas as dificuldades económicas podem levar a que o Fundo Monetário Internacional ofereça um pacote de resgate financeiro, que o Governo provavelmente vai recusar, uma vez que a actual liderança está a apostar num orçamento de 44 mil milhões de dólares, baseado no crescimento económico de 2,1% com um défice orçamental de 5,8%”.
Como o orçamento prevê o petróleo a 46 dólares por barril este ano, “as receitas do petróleo devem subir devido ao aumento do preço e da produção, resultando em confiança de que o Governo vai pagar aos detentores de dívida em moeda estrangeira”, conclui o analista.
O risco político de Angola, considera, está a aumentar, e os cinco principais factores a ter em conta são as receitas do petróleo, o rácio entre as obrigações de pagamento de juro e as receitas das exportações, a depreciação da moeda e a inflação, os empréstimos do Banco Mundial e a vontade política.
Lembrando que já em 2015 as receitas geradas pelas exportações de petróleo tinham caído 44,5%, para 33,4 mil milhões de dólares, face ao ano anterior, o analista sublinha que “o défice, que vai chegar a 6,8% do PIB face à previsão inicial de 5,5%, vai ser financiado essencialmente à custa do endividamento interno”.
Sobre o rácio entre os pagamentos dos juros da dívida e as receitas das exportações, Klinsman Murati escreve que os investidores devem ter em conta que os preços do petróleo, que vale 97% das exportações, estão em baixa, “o que vai ter um impacto enorme nas contas do Governo”, que já tem uma dívida que está perto dos 50 mil milhões de dólares.
Por último, o analista diz que os investidores estarão particularmente atentos à mudança política: “Perceber que tipo de liderança e quais as novas prioridades será fundamental”.
Folha 8 com Lusa